A culpa da Flor
No dia 17 de abril de 2016 por
volta das 19h de um dia de sábado, na cidade de Salvador-Bahia, resolvi sair
com alguns amigos para conhecer uma nova pizzaria na cidade. Foi então que,
durante o percurso feito de carro nos deparamos com uma cena um tanto quanto
imprevisível: Um carro de repente
encostou em uma via, bem conhecida e movimentada em dias e horários
regulares da cidade, e a motorista desceu do carro que, aparentemente não havia
mais ninguém, para pegar uma flor que se encontrava em um canteiro que separava
as duas pistas contrarias do fluxo de veículos.
Na mesma hora, todos que estavam
no carro comigo pensaram a mesma coisa: “Que mulher louca, largar um carro no
meio da pista em um dia com pouco movimento e a noite para pegar uma flor? Esta
pedindo para ser assaltada!” ou então “ Depois roubam o carro e não sabe porque
foi! Que descuido!”. Entretanto, o meu pensamento foi um pouco além destes.
Logo me lembrei das aulas do grupo de estudo sobre vitimologia em que nos
discutíamos a doutrina trazida por Bernard Schünemann, autor alemão, em que ele
defende que vitimas imprudentes, negligentes e descuidadas devem arcar de algum
modo pelo seu comportamento omissivo na proteção de bens jurídicos. Vale
explicar um pouco mais como se da o pensamento desse autor.
Para Schünemann ,o Estado além de
se voltar para o comportamento do autor deve também analisar o comportamento da
vítima, obrigando esta a ser cuidadosa e proteger seu bem jurídico, sob pena de
a negligência no cuidado repercutir no
desmerecimento da proteção do bem jurídico e com isso não ser possível
interpretar a conduta do agressor como típica e assim sendo merecedora de
sanção penal.
Então, ao ver aquela cena, que a
primeira vista tem até um caráter poético e inocente, pensei: poderia esta moça
ser considerada “culpada” caso um outro individuo se aproveitasse da situação
de descuido da vitima para pratica de um delito? Poderia o estado excluir dessa
moça a possibilidade de proteção penal diante de um eventual delito? O
individuo poderia sair ileso de sua pratica criminosa, consciente e por vontade
própria, só pelo fato da vitima não ter protegido seu bem jurídico(seja vida, seja
o carro) corretamente?
Ao meu ver, parece absurda a
possibilidade de se excluir a tipicidade de um crime pela negligencia e
imprudência da vitima, que em momento nenhum consentiu com a lesão sofrida. É
irrazoável pensar que nós, de um modo geral, temos que estar 24h por dia
protegendo todos os nossos bens jurídicos
sob pena de não puder invocar a proteção do estado. Se é verdade que o
momento que mais precisamos do estado é aquele em que estamos em uma situação
de vulnerabilidade, não faz sentido querer exclui deste momento a proteção do
estado, afinal se este não proteger nesses momentos, em quais mais ele
protegerá?
Assim sendo, essa doutrina
trazida por Schünemann é descabida e desproporcional uma vez que cria uma
“culpa da vitima” modificando o foco da culpabilidade do crime para a vitima e,
mais que isso, a pune por comportamentos realizados por terceiros.
Portanto, conclui-se que não se pode
atribuir responsabilidade a moça que, por mais consciência do perigo e dos
riscos que poderia correr , saiu do carro em uma via escura e propícia a
assaltos para pegar uma flor, vez que não foi esta que deu causa ao crime e
muito menos o executou. O crime existe independentemente de comportamentos
“corretos” de suas vitimas.
[1]
Estudante do 6º semestre da Faculdade Baiana de Direito e Gestão ,participante
do grupo de estudos direito penal e vitimologia. Email: karen.evangelista@hotmail.com