quinta-feira, 27 de março de 2014

Lei Maria da Penha para homossexuais do sexo masculino?




Por Viviane Gonçalves


Há pouco mais de uma semana comemorou-se o Dia Internacional da Mulher e, como acontece todos os anos, a data suscita algumas evoluções já alcançadas e, sobretudo, reacende as inquietações acerca do longo caminho em busca de maiores conquistas e mudanças que se pretende percorrer.

Nesse universo de reconhecimento de direitos e proteção à mulher, um dos temas atuais de grande relevância é a Lei 11.340/2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha. Trata-se de um instrumento legal que objetiva coibir, de forma preventiva e assistencial, aviolência doméstica e familiar contra a mulher, que tem como modalidades a violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial. O advento da referida lei, foi criado em meio a alarmantes dados estatísticos que revelam formas indiscriminadas de violência que atingem as mulheres em geral, sejam elas, crianças, adultas, adolescentes ou idosas, configurando-se um problema endêmico e de saúde pública.

Muitas polêmicas envolvem o referido instrumento legal, entre ela alega-sediscriminação e inconstitucionalidade com os princípios elementares da Constituição Federal de Isonomia e Dignidade da Pessoa Humana. Concomitantemente, fala-se em uma suposta ofensa ao artigo 98,I, da Constituição, que prevê a criação dos juizados especiais criminais, já que a Lei 11.340/2006 vedou sua aplicação à violência doméstica. SANCHES (2008, p.31) preleciona que, ao suscitar uma possível injustiça para com o homem, há um desrespeito com a vigente Constituição Federal que, no seu artigo 5°, I, equipara ambos os sexos em direitos e obrigações, garantindo aos dois igual proteção em caso de violência doméstica (artigo 226, parágrafo 8).

A outro giro, muito se discute em relação às limitações de sentido dadas aos termos “ambiente doméstico e familiar” e “mulher”. O termo ambiente doméstico é entendido como o local onde as pessoas vivem com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, ou o local em que reside a mulher ou esteja temporariamente fixado o domicílio. Observa-se uma interpretação extensiva do termo que não se limita à interpretação filológica ou gramatical. A lei estabelece uma divisão entre unidade doméstica e âmbito familiar. Nesta, o legislador abarca igualmente a família estendida, ou seja, uma comunidade que reúne pessoas que são ou se consideram aparentados por laços consanguíneos ou de afetividade, independente de viverem sob o mesmo teto. Tal interpretação amplia o rol de aplicabilidade da lei.

Em contrapartida, não houve evolução jurisprudencial no que concerne ao alcance do termo “mulher”, não havendo dúvidas de que esta lei foi pensada e elaborada com o objetivo específico de proteger à elas, assim como os estatutos, de forma análoga, tutelam seu público específico. Tal confirmação corrobora com o mencionado teor discriminatório anteriormente citado.

Todavia, trata-se de uma ação afirmativa de discriminação positiva que tem por escopo a aproximação de um ideal igualitário com a diminuição da desigualdade e da hierarquia em um sistema de relações sociais. Entretanto, a proteção à mulher contra violência, independe da orientação sexual dos envolvidos. Segundo a Desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, “no momento em que é afirmada que está sob o abrigo da lei a mulher, sem se distinguir sua orientação sexual, alcançam-se tanto lésbicas como travestis, transexuais e transgêneros que mantêm relação íntima de afeto em ambiente familiar ou de convívio. Em todos esses relacionamentos, as situações de violência contra o gênero feminino, justificam especial proteção”.

Baseando-se nesse entendimento, cabe aqui uma breve explicação aos leitores sobre cada condição sexual e sobre gênero feminino. “Entende-se como lésbica uma mulher homossexual, cujo amor e atração física é referente a outras mulheres. Não sentem qualquer desejo ou atração física por um elemento do sexo oposto. A título de curiosidade, a origem do nome Lésbica remonta para a ilha grega de Lesbos e para a interpretação dos poemas de Safo, que refletiam um amor sexual entre ela e outras mulheres.

Em contraste com o conceito de lesbianismo, Gays são homens que sentem atração física e sentimentos de amor apenas por pessoas do mesmo sexo, ou seja, outros homens. Esta condição pressupõe um distanciamento sexual relativamente ao sexo oposto.  Ao passo que, um individuo com características Bissexuais manifesta tendência afetiva e sexual para com membros do mesmo sexo e de sexo oposto.Transgênero é um indivíduo que possui uma identidade de género diferente do género de nascimento, porém não deseja viver e ser aceito como no sexo oposto, pois estão constantemente em mudança de um género para o outro. As Drags Queens são muito aliadas a este conceito ao vestirem-se como o sexo oposto por prazer ou por profissão. É de destacar que uma Drag Queen não tem que ser necessariamente homossexual.

Por fim, Transexuais são indivíduos que possuem uma identidade de género diferente do género do nascimento, à semelhança dos Transgêneros. Ainda assim destacam-se pelo desejo de viver e ser aceito como sendo do sexo oposto. A OMS (Organização Mundial de Saúde) trata a transexualidade como um transtorno de identidade de género e só quando o médico detecta o transtorno, a cirurgia de mudança de sexo é possível acontecer.” (2012,PoweredByWordpress, LGTB).

PENA JUNHO, VALÉRIA MARIA entende por gênero“uma construção sociológica relativamente recente, respondendo à necessidade de diferenciar o sexo biológico de sua tradução social em papéis sociais e expectativas de comportamentos femininos e masculinos, tradução esta demarcada pelas relações de poder entre homens e mulheres vigentes na sociedade.

Embora biologicamente fundamentado, gênero é uma categoria relacional que aponta papéis e relações socialmente construídas entre homens e mulheres. Na palavras de Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se mulher."

Tornar-se mulher, mas tornar-se homem também, são processos de aprendizado oriundos de padrões sociais estabelecidos, que são reforçados por normas, mas também por coerção, e modificados ao longo do tempo, refletindo as mudanças na estrutura normativa e de poder dos sistemas sociais.”

 Cabe à jurisprudência a sensibilização em relação aos avanços sociais, visando uma maior aproximação com a realidade fática. Em concordância, CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD (2006, p.115), inferem que o transexual é aquele que sofre uma dicotomia físico-psíquica, possuindo um sexo físico, distinto de sua conformação sexual psicológica. Nesse quadro, a cirurgia de mudança de sexo pode se apresentar como um modo necessário para a conformação do seu estado físico e psíquico. Em decorrência desse quadro de sucessivas conquistas de direitos, inclusive dos homossexuais, atualmente podemos observar duas posições: uma conservadora que descarta a proteção especial aos transexuais por não entendê-los como mulher; e uma mais moderna que concorda que a proteção aos transexuais deve ser efetivada a partir do momento que os mesmos transmute suas características sexuais, através de cirurgia, de modo irreversível, sendo então, encarados como mulher, em vista de sua nova realidade morfológica, admitindo a jurisprudência, inclusive, retificação do registro civil (SANCHES 2008, p.31)

Em vista do exposto, como discutido em sala de aula com o grupo de estudos, a cirurgia, que deveria ser encarada como um mero detalhe, em face da condição física e psíquica do indivíduo, torna-se um marco, pois somente através dela, o indivíduo nasce para o direito e para uma vida plena em sociedade.Apesar dos recentes avanços, muito ainda pode ser feito.
  
DE FARIA LOPES OMENA; MELO (2007, pág.41) afirmam que muito ainda deve ser feito, em vista de uma redução mais efetiva dos índices de violência doméstica. Embora os principais documentos internacionais de direitos humanos auxiliem na proclamação de igualdade de todos,esta continua sendo compreendida fora do contexto real e social em que vivemos. O desenvolvimento de políticas públicas voltadas para o contexto social, ações afirmativas voltadas para uma discriminação positiva e uma interpretação das leis não apenas formal, mas, real, humana e socialmente útil, são os princípios básicos para a busca e efetivação de um ideal igualitário.

O espaço conquistado pelas mulheres não se deu de forma simplista, muito pelo contrário. Foi consequência de um longo e incansável processo de luta, resistência e clamor por igualdade de gênero, que já deveria ser-lhes inerente, enquanto seres humanos. Não há dúvidas de que a Lei 11.340/2006 constitui um avanço para a sociedade brasileira, por se tratar de um marco na história da proteção legal das mulheres porém, revela o conhecimento e a aceitação de que o tratamento diferenciado e discriminatório decorrente de uma concepção cultural, histórica, moral e religiosaainda hoje se faz presente, no que tange a submissão feminina perante os homens.


Bibliografia

CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pág.30-59.
CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias.Violência Doméstica: análise da lei “Maria da Penha”, nº 11.340/06. Salvador, BA: Edições PODIVM, 2007, pág. 669-680.
Dias Berenice, Maria. Violência Doméstica e as Uniões Homoafetivas.http://www.mariaberenice.com.br/uploads/35__viol%EAncia_dom%E9stica_e_as_uni%F5es_homoafetivas.pdf. Acesso em 17 de março de 2014, às 17:00h.
Oliveira, Elisa Rezende; Camacho, Henrique.Lei Maria da Penha e Política Criminal.http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/levs/article/viewFile/2239/1857. Acesso em 17 de março de 2014, às 16:40h.


Gava, Tertuliano; Cristina, Elaine.Reflexão sobre a aplicação da Lei Maria da Penha frente à sociedade moderna: aplicação da lei aos vulneráveis.http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/view/3059/2821.Acesso em 17 de março de 2014, às 16:40h.
Bonfim do Pugliesi, Félix Urbano; A quebra do princípio da taxatividade na utilização do termo “mulher” na legislação penal brasileira. http://nugsexdiadorim.files.wordpress.com/2011/12/a-quebra-do-princc3adpio-da-taxatividade-na-utilizac3a7c3a3o-do-termo-e2809cmulhere2809d-na-legislac3a7c3a3o-penal-brasileira.pdf. Acesso em 17 de março de 2014, às 15:50h.
http://www.lgbt.pt/significado-lgbt/. Acesso em 21 de março de 2014, às 11:50.
http://taniadefensora.blogspot.com.br/2007/06/conceito-de-gnero.html. Acesso em 21 de março de 2014, às 12:56h.




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