Por
Lorenna Borges*
Quem não se lembra do
Lulu? O aplicativo destinado a avaliar perfis masculinos de maneira anônima com
hashtags absurdas, que no fim de 2013 explodiu no Brasil? Pois bem, o
território virtual segue gerando polêmicas em nosso país. Agora, a bola da vez
tem outro nome, é o Secret.
Criado no fim de 2013
nos EUA, o objetivo inicial do Secret era dispor aos usuários um modo de
compartilhar confissões, casos e segredos que nunca haviam sido expostos por
falta de coragem ou por medo, de maneira anônima, como um “psicólogo virtual”
ou um tipo de autoajuda. O login do aplicativo é vinculado ao facebook, fazendo
com que os segredos de amigos ou mesmo de ‘amigos de amigos’ cheguem mais
facilmente até o usuário, obvio, sem desvendar o anonimato. Também há como
habilitar uma foto como plano de fundo do seu post, fazendo o segredo ficar
ainda mais interessante.
O Secret chegou ao
Brasil em maio, mas alcançou seu auge em agosto, e apenas nesse mês passou a figurar
entre os dez aplicativos mais baixados no país. Foi empregado pra todas as
funções que se possam imaginar... Menos para sua finalidade inicial. Ninguém
falando de si, ao contrário, especulações sobre a vida alheia dominaram o
aplicativo, e na maioria das vezes, os protagonistas do ‘segredo’ sequer sabiam
da sua existência. Ofensas, ataques, xingamentos, muitas fotos íntimas
divulgadas, e então o Secret se tornava mais uma forma de cyberbullying.
Um consultor de
marketing de 25 anos foi um dos muitos que sofreram com a difamação na rede.
Bruno Machado teve uma foto sua, totalmente despido, veiculada na rede por um
terceiro anônimo, seguida de algumas postagens falsas. Uma delas contia a
informação de que ele seria portador do vírus HIV. Postagens essas que chegaram
muito mais rápido ao círculo social do ofendido, graças à vinculação com o
facebook, colocando em risco a sua reputação, o que fez Bruno apelar às vias
judiciais.
Qualquer pessoa sensata
concluiria que o aplicativo não faz o mínimo de menção aos bons costumes. No
entanto, numa análise mais profunda, note que o aplicativo fere algumas das
regras do ordenamento máximo do sistema jurídico brasileiro. A Constituição
Federal, em seu artigo 5º, inciso IV, garante a livre manifestação do
pensamento, sendo vedado o anonimato. Além
disso, o inciso X do mesmo artigo diz que ‘são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação’.
Acrescento nesta análise
ainda o Código de Defesa do Consumidor, que define em seu art. 31 que qualquer
produto ou serviço ofertado no Brasil deve assegurar ao consumidor informações
claras e precisas em língua portuguesa. Contrariamente
ao disposto, o Secret só disponibiliza Termos de Uso e Privacidade em inglês,
outro ponto que esbarra nas regras locais.
E por falar em regras
locais, o Marco Civil da Internet, sancionado em maio desse ano, prevê em seu
artigo 11 que qualquer operação de armazenamento, guarda e tratamento de registros,
de dados pessoais por aplicações da internet devem obrigatoriamente respeitar a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao
sigilo das comunicações privadas e dos registros.
Estes foram
os argumentos usados pelo promotor Marcelo Zenkner, que garantiram o êxito da
ação civil pública, e conseguiu em uma decisão liminar que o aplicativo fosse
retirado das lojas virtuais no Brasil, e que, remotamente, seja retirado de
todos os aparelhos já instalados.
Vale lembrar
também do tratamento que a esfera penal reservaria aos usuários do Secret, caso
o anonimato fosse afastado. E sim, não há de se falar em anonimato absoluto no
Brasil, visto que a sua vedação na Constituição está embasada principalmente
pela possibilidade de responsabilizar criminalmente os excessos cometidos, e
ainda o Marco Civil que também disciplina a quebra de sigilo por autorização
judicial.
O usuário
que se excede e espalha informações sobre outros na rede, pode muito bem ser
enquadrado em dois dos crimes contra a honra, dispostos no Capitulo V do Código
Penal. O art. 139 dispõe detenção de três meses a um ano e multa para aquele
que difama alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação (vale dizer que
basta que a informação ofenda a sua honra objetiva, se foi verdadeira ou não,
pouco importa). O artigo subseqüente, 140, ampara a honra subjetiva da vítima,
a idéia que tem de si mesmo, prevendo detenção, de um a seis meses, ou multa
para ‘aquele que injuria alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro’.
É
angustiante perceber que o ambiente virtual, o meio de comunicação mais notável
da atualidade por sua praticidade, tem se tornado cada vez mais propício a esse
tipo de crime, e como rapidamente surgem novidades e novos aplicativos que
aprimoram essa prática e a sua rápida disseminação. De certo o Secret irá
passar, e daqui a alguns meses, talvez, haja um novo aplicativo circulando por
aí, com uma proposta inovadora e até divertida. A diversão, por vezes, pode não
ser tão “legal” quanto parece. Fica a dica.
*Aluna do terceiro semestre da Faculdade Baiana de Direito, Salvador-
Ba. Contato: lorenna.bp@gmail.com
Referências
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/08/app-de-mensagens-anonimas-secret-irrita-brasileiro-e-deve-parar-na-justica.html
http://blogs.estadao.com.br/link/promotor-quer-extirpar-secret-do-brasil/
http://blogs.estadao.com.br/link/secret-uma-ofensa-pode-causar-prejuizos-irreparaveis/
http://thiagojacomo1.jusbrasil.com.br/artigos/133910428/secret-aplicativo-polemico-e-inconstitucional?ref=home
http://projetoconexoes.com.br/app-secret-fere-o-marco-civil-da-internet-alerta-f5/
Constituição Federal da
República Federativa do Brasil de 1988
LEI Nº 12.965, DE 23 ABRIL
DE 2014. (Marco Civil da Internet)
LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO
DE 1990 (Código de Defesa do Consumidor)
Código Penal Brasileiro de
1940
Parabéns Lore! Mamãe fica muito feliz ao ler cada texto escrito por você,pois vejo o quanto tem se esforçado para fazer o melhor.
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