terça-feira, 26 de agosto de 2014

Um segredo e muitos problemas





Por Lorenna Borges*

Quem não se lembra do Lulu? O aplicativo destinado a avaliar perfis masculinos de maneira anônima com hashtags absurdas, que no fim de 2013 explodiu no Brasil? Pois bem, o território virtual segue gerando polêmicas em nosso país. Agora, a bola da vez tem outro nome, é o Secret.
Criado no fim de 2013 nos EUA, o objetivo inicial do Secret era dispor aos usuários um modo de compartilhar confissões, casos e segredos que nunca haviam sido expostos por falta de coragem ou por medo, de maneira anônima, como um “psicólogo virtual” ou um tipo de autoajuda. O login do aplicativo é vinculado ao facebook, fazendo com que os segredos de amigos ou mesmo de ‘amigos de amigos’ cheguem mais facilmente até o usuário, obvio, sem desvendar o anonimato. Também há como habilitar uma foto como plano de fundo do seu post, fazendo o segredo ficar ainda mais interessante.
O Secret chegou ao Brasil em maio, mas alcançou seu auge em agosto, e apenas nesse mês passou a figurar entre os dez aplicativos mais baixados no país. Foi empregado pra todas as funções que se possam imaginar... Menos para sua finalidade inicial. Ninguém falando de si, ao contrário, especulações sobre a vida alheia dominaram o aplicativo, e na maioria das vezes, os protagonistas do ‘segredo’ sequer sabiam da sua existência. Ofensas, ataques, xingamentos, muitas fotos íntimas divulgadas, e então o Secret se tornava mais uma forma de cyberbullying. 
Um consultor de marketing de 25 anos foi um dos muitos que sofreram com a difamação na rede. Bruno Machado teve uma foto sua, totalmente despido, veiculada na rede por um terceiro anônimo, seguida de algumas postagens falsas. Uma delas contia a informação de que ele seria portador do vírus HIV. Postagens essas que chegaram muito mais rápido ao círculo social do ofendido, graças à vinculação com o facebook, colocando em risco a sua reputação, o que fez Bruno apelar às vias judiciais.
Qualquer pessoa sensata concluiria que o aplicativo não faz o mínimo de menção aos bons costumes. No entanto, numa análise mais profunda, note que o aplicativo fere algumas das regras do ordenamento máximo do sistema jurídico brasileiro. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IV, garante a livre manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Além disso, o inciso X do mesmo artigo diz que ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’.
Acrescento nesta análise ainda o Código de Defesa do Consumidor, que define em seu art. 31 que qualquer produto ou serviço ofertado no Brasil deve assegurar ao consumidor informações claras e precisas em língua portuguesa. Contrariamente ao disposto, o Secret só disponibiliza Termos de Uso e Privacidade em inglês, outro ponto que esbarra nas regras locais.
E por falar em regras locais, o Marco Civil da Internet, sancionado em maio desse ano, prevê em seu artigo 11 que qualquer operação de armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais por aplicações da internet devem obrigatoriamente respeitar a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.
Estes foram os argumentos usados pelo promotor Marcelo Zenkner, que garantiram o êxito da ação civil pública, e conseguiu em uma decisão liminar que o aplicativo fosse retirado das lojas virtuais no Brasil, e que, remotamente, seja retirado de todos os aparelhos já instalados.
Vale lembrar também do tratamento que a esfera penal reservaria aos usuários do Secret, caso o anonimato fosse afastado. E sim, não há de se falar em anonimato absoluto no Brasil, visto que a sua vedação na Constituição está embasada principalmente pela possibilidade de responsabilizar criminalmente os excessos cometidos, e ainda o Marco Civil que também disciplina a quebra de sigilo por autorização judicial.
O usuário que se excede e espalha informações sobre outros na rede, pode muito bem ser enquadrado em dois dos crimes contra a honra, dispostos no Capitulo V do Código Penal. O art. 139 dispõe detenção de três meses a um ano e multa para aquele que difama alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação (vale dizer que basta que a informação ofenda a sua honra objetiva, se foi verdadeira ou não, pouco importa). O artigo subseqüente, 140, ampara a honra subjetiva da vítima, a idéia que tem de si mesmo, prevendo detenção, de um a seis meses, ou multa para ‘aquele que injuria alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro’.
É angustiante perceber que o ambiente virtual, o meio de comunicação mais notável da atualidade por sua praticidade, tem se tornado cada vez mais propício a esse tipo de crime, e como rapidamente surgem novidades e novos aplicativos que aprimoram essa prática e a sua rápida disseminação. De certo o Secret irá passar, e daqui a alguns meses, talvez, haja um novo aplicativo circulando por aí, com uma proposta inovadora e até divertida. A diversão, por vezes, pode não ser tão “legal” quanto parece. Fica a dica.


*Aluna do terceiro semestre da Faculdade Baiana de Direito, Salvador- Ba. Contato: lorenna.bp@gmail.com


Referências

http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/08/app-de-mensagens-anonimas-secret-irrita-brasileiro-e-deve-parar-na-justica.html
http://blogs.estadao.com.br/link/promotor-quer-extirpar-secret-do-brasil/
http://blogs.estadao.com.br/link/secret-uma-ofensa-pode-causar-prejuizos-irreparaveis/
http://thiagojacomo1.jusbrasil.com.br/artigos/133910428/secret-aplicativo-polemico-e-inconstitucional?ref=home
http://projetoconexoes.com.br/app-secret-fere-o-marco-civil-da-internet-alerta-f5/
Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988
LEI Nº 12.965, DE 23 ABRIL DE 2014. (Marco Civil da Internet)
LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990 (Código de Defesa do Consumidor)
Código Penal Brasileiro de 1940






Um comentário:

  1. Parabéns Lore! Mamãe fica muito feliz ao ler cada texto escrito por você,pois vejo o quanto tem se esforçado para fazer o melhor.

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