Por
Paula Lima*
Recentemente, com o caso de uma aluna que filmou sua colega tomando
banho na escola, sem seu consentimento, e divulgou o vídeo na internet,
causando grande constrangimento a vítima, retomou-se a discussão em torno da
possibilidade de redução da maioridade penal para 16 anos ou menos. É um tema
que sempre causou polêmica, uma vez que, menores de 18 anos são absolutamente
inimputáveis, garantia constitucional (Art. 227 e 228), devendo ser submetidos
às medidas socioeducativas previstas no Estatuto da criança e do adolescente
(ECA).
A maioria dos países mantém a maioridade penal em 18 anos, e os poucos
que a mantêm abaixo disso, a exemplo dos Estados Unidos e Inglaterra, quase
sempre possuem altos índices de escolaridade e cultura, o que impossibilita a
comparação com o Brasil. Nesse sentido, afirma Amadeu de Almeida Weinmann
(2007, p.86), analisando uma pesquisa divulgada pela Secretaria Especial dos
Direitos Humanos da Presidência da República, que “90% dos adolescentes em
conflito com a lei sob o regime de privação de liberdade no país não
completaram o ensino primário, embora tenham idade compatível com o ensino
médio” (p. 86). Afirma o mesmo que “90%
dos internos são do sexo masculino, 76% tinham idade entre 16 e 18 anos, mais
de 60% eram negros, 80% viviam com renda familiar de até dois salários mínimos
e 86% eram usuários de drogas”.
Munir Cury (2013, p.1 e p.2), ao discorrer sobre o caminho à
delinquência afirma que “O caminho é feito pela permanente sensação de
exclusão, a começar pela casa. Famílias desestruturadas e conflituosas tendem a
provocar filhos desajustados, que busca nas ruas a solidariedade e o respeito
que não encontram em casa”, e ainda “a escola é o segundo cenário da exclusão.
Não sabe como lidar com alunos rebeldes, seus currículos são distantes da
realidade, quando não ultrapassados”.
O que o autor quer dizer é que há uma série de fatores capazes de
levar o menor à marginalização, uma vez que, na infância e na adolescência se
encontra mais vulnerável. A análise feita por Weinmann apenas reforça a tese de
seletividade do Direito penal, ou seja, que este age de forma repressiva e
estigmatizante. Nesse sentido, a pena é vista como retribuição a um mal, isto
é, responder violentamente à própria violência.
Assim sendo, expor o menor a um sistema tão agressivo apenas o
degradaria mais, uma vez que, entende-se que ele ainda é passível de
reeducação, com o tratamento correto. Sabe-se que a realidade carcerária é
extremamente violenta, demonstrada nos altos índices de reincidência, ou seja,
a pena que deveria ressocializar o indivíduo muitas vezes o marginaliza ainda
mais. Isso mostra que o rigor da lei não está demonstrando bons resultados no
combate à criminalidade, pelo contrário, já houve relatos de grupos criminosos
comandados de dentro do presídio, principalmente relacionados ao tráfico de
drogas. Se até mesmo os adultos, que possuem sua personalidade totalmente
formada, estão apresentando resultados desanimadores, é possível que o dano
causado nos menores seja ainda maior, uma vez que, não possuem a mesma
capacidade de discernimento e as “marcas” do sistema carcerário poderiam
diminuir suas possibilidades de reeducação.
Durante os anos já houve diversas tentativas parlamentares de reduzir
a maioridade penal, apoiados por parte da população, a exemplo da Proposta de
Emenda Constitucional, com autoria do senador Aloysio Nunes, que propunha
reduzir a maioridade penal para 16 anos em casos de crimes hediondos, tráfico
de drogas, tortura e terrorismo. A PEC foi rejeitada pela maioria, sob a justificativa
de que a medida a ser tomada em casos de crimes cometidos por menores de 18
anos é a socioeducativa, que tem como objetivo educá-lo e ajudá-lo para que
possa ser reinserido na sociedade.
Fernando Capez (2007, p.79) defende a redução, no que diz: “O intuito,
portanto, da redução da maioridade penal é o de reparar tão graves injustiças,
de propiciar a punição na proporção do crime praticado". Sendo assim, o
autor defende que, ao manter a maioridade penal em 18 anos, o Estado sustenta
que criminosos de 16 ou 17, com plena capacidade de entendimento pratiquem atos
atrozes. Entretanto, ainda que se afirme que atualmente, devido aos avanços
tecnológicos, as crianças estão amadurecendo mais cedo, deve-se pensar em quem
essas normas vão ser aplicadas, ou seja, apesar de estar destinada a todos os
adolescentes, de acordo com a pesquisa citada anteriormente sobre as
características dos menores infratores internados, nota-se que a maioria deles
nem mesmo possuía acesso às tecnologias, vivendo em condições degradantes, e
poucos são os menores infratores que possuem acesso a essas ferramentas.
Maria Auxiliadora Minahim (2004, p.162) cita duas Propostas de Emenda
à Constituição. A primeira é a PEC 19, que propôs a redução da maioridade penal
baseada no sistema do discernimento. Entretanto, a autora cita Jesús-Maria
Silva Sánchez, que afirma que o único critério legitimador da pena é sua
necessidade, que deve ser avaliada como critério geral aplicado à totalidade da
faixa e não apenas a certos adolescentes. A segunda PEC, de número 18, propôs a
cessação da inimputabilidade diante de alguns crimes, como violência ou grave
ameaça, entre outros. Em sentido oposto, Minahim apresentou o argumento de
Francesco Carrara, em que afirma: “a
escusa da menoridade encontra sua fundamentação jurídica no estado da pessoa
que pratica o fato, e esse estado não se altera porque se alteram os fatos”. Ou
seja, não importa o crime que o menor venha a cometer, uma vez que não é isso
que define seu estado de inimputabilidade, e sim a imaturidade e
vulnerabilidade características da criança e do adolescente.
A imputabilidade penal, para Cury (2013, p.3), é “a capacidade do
Estado de atribuir responsabilidade frente à legislação comum”. No caso dos
menores de 18 anos, a legislação especial a ser observada é o ECA, que
diferentemente do código penal, permite que se examine o contexto
socioeconômico e cultural do agente e sua família. Há, portanto, uma tentativa
de diminuir a culpa do menor, uma vez que, não tendo sua personalidade
completamente formada, é mais vulnerável. Assim sendo, o estatuto busca a
formação do menor, utilizando-se de medidas socioeducativas, podendo resultar
em sua internação por 3 anos ou até que o mesmo complete 21 anos. Nesse
sentido, defende Maria Auxiliadora Minahim, que o ECA tenta atuar no sentido de
proteger e ressocializar o menor infrator, em razão de sua imaturidade, e
defender a sociedade, entendendo que esta possui o direito de se proteger dos
atos violentos por aqueles praticados.
Apesar de muitos defenderem que
o ECA não é suficientemente rígido, deixando os menores livres para a prática
delitos, sem medo de sanção, ele possui mecanismos que permitem a reeducação do
menor, uma vez que, defende-se que sua personalidade não possue o mesmo
discernimento de um adulto. Nesse sentido, defende Alyrio Cavallieri (1991,
p.13) que “o menor carece de um sistema especial, justamente por lhe ser
indispensável uma tutela constante".
A aclamação pela redução da maioridade penal é resultado do grande
índice de criminalidade e violência que assolam o país, fazendo com que a
população sinta-se insegura, e busque soluções em curto prazo para a diminuição
da criminalidade. Em países que reduziram a maioridade penal não houve melhora
significativa, ou seja, não é o medo da norma que faz com que os menores parem
de delinquir. O sistema penitenciário já se acha superlotado, o que gera
frequentes conflitos, tornando o ambiente carcerário extremamente degradante
para que se insira um menor. Essa medida apenas deixaria a situação ainda mais caótica,
já que, há a possibilidade de que os menores condenados penalmente, ao ter
contato com um ambiente tão hostil, adentrem ainda mais nas práticas de crimes.
Portanto, não é necessário que os menores passem a ser submetidos à
legislação comum, basta que se aplique o Estatuto, uma vez que, é uma
legislação pensada para a proteção do menor e da sociedade. A violência e
criminalidade causada por crianças e adolescentes só irá mudar quando a
condição de vida deles melhorar, quando deixarem de ser excluídos. A criança
que é abandonada hoje, provavelmente, será o adolescente abandonado de amanhã e
futuramente o adulto na mesma condição. São essas pessoas que presenciam
violência desde a fase mais pura, é apenas natural que respondam da mesma
forma. A sociedade não é simples vítima dos atos violentos praticados por
aqueles, é ela quem causa essa situação ao enxergar o criminoso como o “outro”,
merecedor da tutela penal, diferente de nós, “indivíduos normais”. Somos nada
menos que vítimas algozes.
*Aluna
do 3º semestre de Direito da Faculdade Baiana de Direito e Gestão, Salvador-BA.
Contato: paulinhavonflach@yahoo.com.br
Referências bibliográficas:
- Reportagem sobre o caso disponível em: http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/aluna-divulga-video-de-colega-nua-pai-da-vitima-aponta-omissao/?cHash=94451fc01264eaa8b9138d99374682a3 e http://www.aratuonline.net/noticia/121835,adolescente-filmada-quando-tomava-banho-presta-depoimento.html
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- CURY, Munir. Reduzir a idade penal não é a solução. Associação Paulista do Ministério Público. Disponível em: http://midia.apmp.com.br/arquivos/pdf/artigos/2013_reducao_idade.pdf
Muito bom. Continue assim. Beijos. Bruno Lima
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