quarta-feira, 30 de abril de 2014

A incongruência da redução da maioridade penal




Por Paula Lima*


Recentemente, com o caso de uma aluna que filmou sua colega tomando banho na escola, sem seu consentimento, e divulgou o vídeo na internet, causando grande constrangimento a vítima, retomou-se a discussão em torno da possibilidade de redução da maioridade penal para 16 anos ou menos. É um tema que sempre causou polêmica, uma vez que, menores de 18 anos são absolutamente inimputáveis, garantia constitucional (Art. 227 e 228), devendo ser submetidos às medidas socioeducativas previstas no Estatuto da criança e do adolescente (ECA).

A maioria dos países mantém a maioridade penal em 18 anos, e os poucos que a mantêm abaixo disso, a exemplo dos Estados Unidos e Inglaterra, quase sempre possuem altos índices de escolaridade e cultura, o que impossibilita a comparação com o Brasil. Nesse sentido, afirma Amadeu de Almeida Weinmann (2007, p.86), analisando uma pesquisa divulgada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, que “90% dos adolescentes em conflito com a lei sob o regime de privação de liberdade no país não completaram o ensino primário, embora tenham idade compatível com o ensino médio” (p. 86).  Afirma o mesmo que “90% dos internos são do sexo masculino, 76% tinham idade entre 16 e 18 anos, mais de 60% eram negros, 80% viviam com renda familiar de até dois salários mínimos e 86% eram usuários de drogas”.

Munir Cury (2013, p.1 e p.2), ao discorrer sobre o caminho à delinquência afirma que “O caminho é feito pela permanente sensação de exclusão, a começar pela casa. Famílias desestruturadas e conflituosas tendem a provocar filhos desajustados, que busca nas ruas a solidariedade e o respeito que não encontram em casa”, e ainda “a escola é o segundo cenário da exclusão. Não sabe como lidar com alunos rebeldes, seus currículos são distantes da realidade, quando não ultrapassados”.

O que o autor quer dizer é que há uma série de fatores capazes de levar o menor à marginalização, uma vez que, na infância e na adolescência se encontra mais vulnerável. A análise feita por Weinmann apenas reforça a tese de seletividade do Direito penal, ou seja, que este age de forma repressiva e estigmatizante. Nesse sentido, a pena é vista como retribuição a um mal, isto é, responder violentamente à própria violência.

Assim sendo, expor o menor a um sistema tão agressivo apenas o degradaria mais, uma vez que, entende-se que ele ainda é passível de reeducação, com o tratamento correto. Sabe-se que a realidade carcerária é extremamente violenta, demonstrada nos altos índices de reincidência, ou seja, a pena que deveria ressocializar o indivíduo muitas vezes o marginaliza ainda mais. Isso mostra que o rigor da lei não está demonstrando bons resultados no combate à criminalidade, pelo contrário, já houve relatos de grupos criminosos comandados de dentro do presídio, principalmente relacionados ao tráfico de drogas. Se até mesmo os adultos, que possuem sua personalidade totalmente formada, estão apresentando resultados desanimadores, é possível que o dano causado nos menores seja ainda maior, uma vez que, não possuem a mesma capacidade de discernimento e as “marcas” do sistema carcerário poderiam diminuir suas possibilidades de reeducação.

Durante os anos já houve diversas tentativas parlamentares de reduzir a maioridade penal, apoiados por parte da população, a exemplo da Proposta de Emenda Constitucional, com autoria do senador Aloysio Nunes, que propunha reduzir a maioridade penal para 16 anos em casos de crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo. A PEC foi rejeitada pela maioria, sob a justificativa de que a medida a ser tomada em casos de crimes cometidos por menores de 18 anos é a socioeducativa, que tem como objetivo educá-lo e ajudá-lo para que possa ser reinserido na sociedade.

Fernando Capez (2007, p.79) defende a redução, no que diz: “O intuito, portanto, da redução da maioridade penal é o de reparar tão graves injustiças, de propiciar a punição na proporção do crime praticado". Sendo assim, o autor defende que, ao manter a maioridade penal em 18 anos, o Estado sustenta que criminosos de 16 ou 17, com plena capacidade de entendimento pratiquem atos atrozes. Entretanto, ainda que se afirme que atualmente, devido aos avanços tecnológicos, as crianças estão amadurecendo mais cedo, deve-se pensar em quem essas normas vão ser aplicadas, ou seja, apesar de estar destinada a todos os adolescentes, de acordo com a pesquisa citada anteriormente sobre as características dos menores infratores internados, nota-se que a maioria deles nem mesmo possuía acesso às tecnologias, vivendo em condições degradantes, e poucos são os menores infratores que possuem acesso a essas ferramentas.

Maria Auxiliadora Minahim (2004, p.162) cita duas Propostas de Emenda à Constituição. A primeira é a PEC 19, que propôs a redução da maioridade penal baseada no sistema do discernimento. Entretanto, a autora cita Jesús-Maria Silva Sánchez, que afirma que o único critério legitimador da pena é sua necessidade, que deve ser avaliada como critério geral aplicado à totalidade da faixa e não apenas a certos adolescentes. A segunda PEC, de número 18, propôs a cessação da inimputabilidade diante de alguns crimes, como violência ou grave ameaça, entre outros. Em sentido oposto, Minahim apresentou o argumento de Francesco Carrara, em que afirma:  “a escusa da menoridade encontra sua fundamentação jurídica no estado da pessoa que pratica o fato, e esse estado não se altera porque se alteram os fatos”. Ou seja, não importa o crime que o menor venha a cometer, uma vez que não é isso que define seu estado de inimputabilidade, e sim a imaturidade e vulnerabilidade características da criança e do adolescente.

A imputabilidade penal, para Cury (2013, p.3), é “a capacidade do Estado de atribuir responsabilidade frente à legislação comum”. No caso dos menores de 18 anos, a legislação especial a ser observada é o ECA, que diferentemente do código penal, permite que se examine o contexto socioeconômico e cultural do agente e sua família. Há, portanto, uma tentativa de diminuir a culpa do menor, uma vez que, não tendo sua personalidade completamente formada, é mais vulnerável. Assim sendo, o estatuto busca a formação do menor, utilizando-se de medidas socioeducativas, podendo resultar em sua internação por 3 anos ou até que o mesmo complete 21 anos. Nesse sentido, defende Maria Auxiliadora Minahim, que o ECA tenta atuar no sentido de proteger e ressocializar o menor infrator, em razão de sua imaturidade, e defender a sociedade, entendendo que esta possui o direito de se proteger dos atos violentos por aqueles praticados.

 Apesar de muitos defenderem que o ECA não é suficientemente rígido, deixando os menores livres para a prática delitos, sem medo de sanção, ele possui mecanismos que permitem a reeducação do menor, uma vez que, defende-se que sua personalidade não possue o mesmo discernimento de um adulto. Nesse sentido, defende Alyrio Cavallieri (1991, p.13) que “o menor carece de um sistema especial, justamente por lhe ser indispensável uma tutela constante".

A aclamação pela redução da maioridade penal é resultado do grande índice de criminalidade e violência que assolam o país, fazendo com que a população sinta-se insegura, e busque soluções em curto prazo para a diminuição da criminalidade. Em países que reduziram a maioridade penal não houve melhora significativa, ou seja, não é o medo da norma que faz com que os menores parem de delinquir. O sistema penitenciário já se acha superlotado, o que gera frequentes conflitos, tornando o ambiente carcerário extremamente degradante para que se insira um menor. Essa medida apenas deixaria a situação ainda mais caótica, já que, há a possibilidade de que os menores condenados penalmente, ao ter contato com um ambiente tão hostil, adentrem ainda mais nas práticas de crimes.

Portanto, não é necessário que os menores passem a ser submetidos à legislação comum, basta que se aplique o Estatuto, uma vez que, é uma legislação pensada para a proteção do menor e da sociedade. A violência e criminalidade causada por crianças e adolescentes só irá mudar quando a condição de vida deles melhorar, quando deixarem de ser excluídos. A criança que é abandonada hoje, provavelmente, será o adolescente abandonado de amanhã e futuramente o adulto na mesma condição. São essas pessoas que presenciam violência desde a fase mais pura, é apenas natural que respondam da mesma forma. A sociedade não é simples vítima dos atos violentos praticados por aqueles, é ela quem causa essa situação ao enxergar o criminoso como o “outro”, merecedor da tutela penal, diferente de nós, “indivíduos normais”. Somos nada menos que vítimas algozes.


*Aluna do 3º semestre de Direito da Faculdade Baiana de Direito e Gestão, Salvador-BA. Contato: paulinhavonflach@yahoo.com.br


Referências bibliográficas:

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